Prefácio do livro LACATUMBA (EdiPUCRS)

PASSAGEM PARA LACATUMBA (SÓ DE IDA), por Jorge Rein

As propostas dramatúrgicas que Viviane Juguero dedica às crianças apresentam algumas características que reiteram sua vigência a cada novo texto: o universo infantil, a cultura popular, a musicalidade e a ênfase artístico-pedagógica. Trata-se de noções que a autora define e desenvolve, tanto em sua prática artística no Bando de Brincantes, quanto em sua produção acadêmica. Este é o caso, por exemplo, dos conceitos “dramaturgia radical” e “lógica lúdica do pensamento infantil”, onde para os quais diversos elementos confluem na formação de um ato comunicativo abrangente que não despreza a subjetividade, cutucando a razão através da emoção. Com base nessas premissas, a autora costuma abordar, de forma quase subliminar, questões como o respeito à diversidade pessoal, cultural e de gênero, contribuindo naos referenciais que incidirão na formação individual e social da criança.
É possível detectar, no trabalho de Juguero, a utilização de elementos da cultura popular, brincadeiras tradicionais ou reinventadas, cantigas e lendas, traduzindo essa mistura toda em corporeidade, danças e acrobacias, ou garimpando aquilo que a comicidade tem de genuína graça, apostando em sadia diversão, estimulando a compreensão e o gesto de afeto, porque, por baixo das diferentes peles que vestimos diariamente, se abriga o nosso núcleo, que é comum a todo ser humano: o amor que nem sempre entendemos ou praticamos.
  A novidade que a autora apresenta neste texto, com relação a trabalhos anteriores, é uma opção estética mais moderna e uma dinâmica que aproxima o enredo de um registro bastante similar àquele das histórias em quadrinhos.
Múmias, bruxas, lobisomens, alienígenas, bichos-papões, esfinges e vampiros, personagens do universo fantástico que resistem ao tempo, vestem novas roupagens, trejeitos, tiques e manias, que garantem o humor e, com certeza, prenderão a atenção das plateias.
A musicalidade é outra característica que Juguero maneja com maestria e incorpora aos seus textos. Em Lacatumba, os ritmos vão da ópera ao rock, com visitas às estações do tango, da rumba e da balada. As canções não se limitam à ilustração ou ao que poderíamos chamar de adereço sonoro, elas são elementos que integram a narrativa, sendo determinantes na condução da ação, além de facilitar o efeito residual da memorização por parte das crianças. É comum, no final dos espetáculos do Bando de Brincantes, perceber os pequenos cantarolando na saída do teatro.
Também são elementos que costumam perdurar na memória, bordões engraçados, gracejos, gestos cômicos que se repetem. Lacatumba é uma obra rica nesses recursos que podem ser detectados, por exemplo, na afetada francofilia de Loup-garou, na incorrigível flatulência do Papão ou no falso latim das pragas rogadas pela bruxa Zica.
A dramaturgia dedicada ao público infantil contempla, no mínimo, três níveis de aproveitamento: a montagem da obra em um esquema teatral tradicional, a representação integral ou parcial do texto pelas próprias crianças, e a seleção de trechos para aprofundamento de conteúdos trabalhados em aula. Lacatumba tem condições de funcionar muito bem nessas três instâncias. Em cada um desses papéis possíveis, o texto é instigante, estimula a imaginação de quem dele se aproxima, atiça a reflexão e a curiosidade. E, aAlém de tudo isso, algumas cenas podem ser exploradas como base para a prática de exercícios e jogos que propiciem o domínio do corpo e da motricidade. A dança de um casal cujos corpos se repelem mutuamente em função da maldição de uma bruxa malvada, por exemplo, pode transformar-se em um desafio físico bem interessante.
A arte teatral oferece diferentes possibilidades. O caminho escolhido por Viviane Juguero certamente não é o único, mas é original, pessoal, intransferível, e ela sabe trilhá-lo com muita propriedade.
A intenção desta espécie de prefácio é a de funcionar como uma passagem de ida para Lacatumba, essa misteriosa terra imaginária. O que qualquer um de nós conseguir aproveitar dessa aventura, o que trouxer na volta de lembrança, a opção de ser turista ou virar habitante ficam por conta de cada visitante.
Boa viagem!  

 

site produzido por metamorfose - agência digital -

Acessos: 526658